quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Adeus 2009
O Passado...
Homens sem pressa,
talvez cansados,
descem com leva
madeirões pesados,
lavrados por escravos
em rudes simetrias,
do tempo das acutas.
Inclemência.
Caem pedaços na calçada.
Passantes cautelosos
desviam-se com prudência.
Que importa a eles o sobrado?
Gente que passa indiferente,
olha de longe,
na dobra das esquinas,
as traves que despencam.
-Que vale para eles o sobrado?
Quem vê nas velhas sacadas
de ferro forjado
as sombras debruçadas?
Quem é que está ouvindo
o clamor, o adeus, o chamado?...
Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas...
Que importam?
E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do Passado.
Cora Coralina
2 0 1 0
Exaltando a vida;
exalte o que de melhor você tem
exalte a vida, exalte o tempo
exalte o esquecido, aquele que não sorri
aquele que não brilha
exalte a flor esquecida
exalte a dor não vivida
exalte o amor, esqueça o odio
exalte as petalas e não a flor
exalte a cumplicidade, a eternidade
viva como se só o hoje bastasse
sorria como só você sabe fazer
aproveite a chuva, não deixe ela cair em vão
e quando o sol raiar, vibre, eterneça
respire o ar, veja como o dia é lindo
como ele foi feito para você.
e quando enfim ele acabar, seja cumplice de você
e pense como é bom não saber o que o amanhã te reserva
que a vida é uma eterna e grata surpresa
de Deus para você.
sonia gonçalves brandao
Vida!! Feliz 2010!
Vida
Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.
Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.
Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.
Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.
Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!
Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).
Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!
Viva!!
Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é "muito" para ser insignificante.
Augusto Branco
O Que É, O Que É?
Gonzaguinha
Composição: Gonzaguinha
Eu fico
Com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...
Viver!
E não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser
Um eterno aprendiz...
Ah meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser
Bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita...
E a vida!
E a vida o que é?
Diga lá, meu irmão
Ela é a batida
De um coração
Ela é uma doce ilusão
Hê! Hô!...
E a vida
Ela é maravilha
Ou é sofrimento?
Ela é alegria
Ou lamento?
O que é? O que é?
Meu irmão...
Há quem fale
Que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo...
Há quem fale
Que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor...
Você diz que é luxo e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é
E o verbo é sofrer...
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser...
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte...
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita...
Eu preciso de você
Eu preciso de você
Pra continuar sonhando.
Eu preciso de você
Pra continuar caminhando
Nesse chão
Onde a esperança
Está sempre presente.
Eu preciso de você
Me amando e querendo
Pra ter certeza
Que felicidade não é utopia.
Preciso de você
Alegrando meu dia,
Aquecendo minha noite,
Me enchendo de vida,
De sorrisos
E fantasias.
Preciso de você
Mas preciso agora
Porque amanhã
Já não sei se saberei
Ser eu sem você.
Letícia Thompson
Não ame....
Defeitos...os crimes perfeitos....
é Urgente
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade
SE
Não sei te deixar
Muitos dias e noites sem você
No começo até podia ser
Mas o tempo foi passando
E eu cada vez mais te desejando
Me encontrei em um desejo insano
De te ligar mesmo que fosse por engano
Me segurei, me controlei,
Mas não é fácil, é dolorido
Você é um sonho a ser vivido
Falta sentir a tua pele, me acomodar
Em teus braços
Gozar com você o sabor da vida
Desde a chegada e sem partida
Sem tempo, sem compromisso
Só eu com você e você comigo
Quero estar em você,
Quero você em mim
Não sei deixar de te querer assim...
(aut.desc.)
La luna..
Felicidade
Ainda que o tempo passe,
e às vezes você nem lembre mais,
vou ser toda sua.
E vou estar a seu lado,
realizando desejos,
vivendo seus sonhos,
vendo brilharem,
mais do que nunca,
seus olhos.
Ainda que pareça difícil
e em algum momento
você não se sinta capaz,
vou ser toda sua.
E vou ver você ir às alturas,
não se conter, delirar.
Ainda que você me imagine distante,
e nem acredite mais,
vou ser toda sua.
E iluminar seus projetos,
seu riso,
a vontade e o prazer de viver.
Queira, acredite, me aguarde.
Ainda vou ser toda sua,
de verdade.
Ou eu vou ser toda sua
ou não me chamo Felicidade.
Autor: José Oliva
Sobre a vida...afinal...
A vida é o dia de hoje,
a vida é ai que mal soa,
a vida é sombra que foge,
a vida é nuvem que voa;
a vida é sonho tão leve
que se desfaz como a neve
e como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
mais leve que o pensamento,
a vida leva-a o vento,
a vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
a vida é sopro suave,
a vida é estrela cadente,
voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
onda que o vento nos mares
uma após outra lançou,
a vida - pena caída
da asa de ave ferida -
de vale em vale impelida,
a vida o vento a levou!
João de Deus
leve leve leve....
Bem Leve
Bem leve leve
revele
quem pouse a pele
em cima de
madeira
beira beira
quem dera mera mera
cadeira
mas breve breve
revele
vele vele
quem pese
dos pés a caveira
Dali da beira uma palavra cai do chão
caixão
dessa maneira
Uma palavra de madeira em cada mão
Imbuia
Cerejeira
Jacarandá, Peroba, Pinho, Jatobá
Cabreúva
Garapera
Dali da beira uma palavra cai do chão
Caixão
Marisa Monte letras
O bicho ta é solto
Bicho Solto
Não sei julgar o que há em ti
Sentir com precisão
Se é fogo ou água, já desisti
O meu coração que agüente
Não há nada mais louco
Mais sensível
Que você junto de mim
Com o seu amor indizível
Eu faço e aconteço
Pra estar com você
Eu te abraço, amor
Te desfaço em flor
Nesse abraço a gente
Se veste um ao outro
Pra virar um bicho solto
Desordenar por aí
'cê de quatro, amor
Beira art-déco
Uma imagem no altar da luxúria
Você com esse jeito seu
Me venceu
Ah, gosto de você em mim!
O lascivo chega a brilhar
De incandescer mais que o sol
Lá no limiar do prazer
Estrelas pulam de alegria
Se fantasiam, mudam de cor
Pra ver o amor nascer
Djavan letras
O que somos..
Meu Olhar
Se meu olhar
te disser além, muito além
do que queres saber,
desvia.
Se meu olhar
me trair
e deixar transparecer
toda a ternura
que tenho por ti,
disfarça.
Se meu olhar
tentar assim
te conquistar e seduzir
e o brilho ardente
te incomodar,
dissimula.
Se meu olhar,
em teu olhar, encontrar
a mesma sintonia,
por favor,
sorria.
Canção do meu olhar
(Dúnia de Freitas)
A alma é eterna
Meu rosto....meu espelho
Folhas breves...de fato o que somos?
Afinal qual é o alvo da vida?
Havia num bosque isolado uma bonita violeta que vivia satisfeita entre suas companheiras.
Certa manhã, levantou a cabeça e viu uma rosa que se balançava acima dela, radiante e orgulhosa. Gemeu a violeta, dizendo: "Pouca sorte tenho eu entre as flores! Humilde o meu destino! Vivo pegada à terra, e não posso só levantar a face ao sol como fazem as rosas."
A natureza ouviu, e disse à violeta: "Que te aconteceu, filhinha? As vãs ambições apoderaram-se de ti?
- "Suplico-te, ó Mãe poderosa", disse a violeta. "Transforma-me numa rosa, por um dia só que seja."
- "Tu não sabes o que estás pedindo", retrucou a natureza. "Ignoras o que se esconde de infortúnios atrás das aparentes grandezas."
- "Transforma-me numa rosa esbelta e alta", insistiu a violeta. "E tudo o que me acontecer será a conseqüência dos meus próprios desejos e aspirações."
A natureza estendeu a mão mágica, e a violeta tornou-se uma rosa suntuosa.
Na tarde daquele dia, o céu escureceu-se, e os ventos e a chuva devastaram o bosque. As árvores e as rosas foram abatidas. Somente as humildes violetas escaparam ao massacre. E uma delas, olhando em volta de si, gritou às companheiras: "Hei, vejam o que a tempestade fez das grandes plantas que se levantavam com orgulho e impertinência."
Disse outra: "Nós nos apegamos à terra; mas escapamos à fúria dos furacões."
Disse uma terceira: "Somos pequenas e humildes; mas as tempestades nada podem contra nós."
Então a rainha das violetas viu a rosa que tinha sido violeta, estendida no chão como morta. E disse:
- "Vejam e meditem, minhas filhas, sobre a sorte da violeta que as ambições iludiram. Que seu infortúnio lhes sirva de exemplo!"
Ouvindo estas palavras, a rosa agonizante estremeceu e, apelando para todas as suas forças, disse com voz entrecortada:
- "Ouvi, vós, ignorantes, satisfeitas, covardes. Ontem, eu era como vós, humilde e segura. Mas a satisfação que me protegia também me limitava. Podia continuar a viver como vós, pegada à terra, até que o inverno me devolvesse em sua neve e me levasse para o silêncio eterno sem que soubesse dos segredos e glórias da vida mais do que as inúmeras gerações de violetas, desde que houve violetas. Mas escutai no silêncio da noite e ouvi o mundo superior dizer a este mundo: O alvo da vida é atingir o que há além da vida. Pedi então à natureza - que nada mais é do que a exteriorização de nossos sonhos invisíveis - 'transforma-me em rosa'. E a natureza acedeu ao meu desejo.
"Vivi uma hora como rosa. Vivi uma hora como rainha. Vi o mundo pelos olhos das rosas. Ouvi a melodia do éter com o ouvido das rosas. Acariciei a luz com as pétalas das rosas. Pode alguma de vós vangloriar-se de tal honra? Morro agora, levando na alma o que nenhuma violeta jamais experimentara. Morro sabendo o que há atrás dos horizontes estreitos onde nascera, por que é esse o alvo da vida."
Khalil Gibran
A porta de nossas decisões....
Se você abre uma porta,
você pode ou não
entrar em uma nova sala.
Você pode não entrar
e ficar observando a vida.
Mas se você vence a dúvida,
o temor, e entra, dá um grande passo:
nesta sala vive-se!
Mas, também, tem um preço...
São inúmeras outras portas
que você descobre.
Às vezes curte-se mil e uma.
O grande segredo
é saber quando e qual porta
deve ser aberta.
A vida não é rigorosa,
ela propicia erros e acertos.
Os erros podem ser transformados
em acertos quando com eles se aprende.
Não existe a segurança do acerto eterno.
A vida é generosa,
a cada sala que se vive,
descobre-se tantas outras portas.
E a vida enriquece
quem se arrisca a abrir novas portas.
Ela privilegia quem descobre seus segredos
e generosamente oferece afortunadas portas.
Mas a vida também pode ser dura e severa.
Se você não ultrapassar a porta,
terá sempre a mesma porta pela frente.
É a repetição perante a criação,
é a monotonia monocromática
perante a multiplicidade das cores,
é a estagnação da vida...
Para a vida,
as portas não são obstáculos,
mas diferentes passagens!
A Porta
(Içami Tiba)
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Perdão...
Não sei qual é a minha culpa, mas peço perdão
- A luz do farol revelou-os tão rapidamente
que não se puderam ver.
Peço perdão por não ser uma "estrela" ou o "mar",
ou por não ser alegre, mas coisa que se dá.
Peço perdão por não saber me dar nem a mim mesma.
Para me dar desse modo eu perderia
a minha vida se fosse preciso
- mas peço de novo perdão,...
Não sei perder minha vida."
- Clarice Lispector -
Compreendi, então....
Compreendi, então,
que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário,
de que a vida é um álbum de mini-sonatas.
Cada momento de beleza vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira.
Concerto para Corpo e Alma
(Rubens Alves)
morre...lentamente....
esquecimento...
Zuil.....
Preciso de alguém que me olhe nos olhos quando falo.
Que ouça as minhas tristezas e neuroses com paciência.
E, ainda que não compreenda, respeite os meus sentimentos.
Preciso de alguém que venha brigar ao meu lado sem precisar ser convocado;
Alguém Amigo o suficiente para dizer-me as verdades que não quero ouvir, mesmo sabendo que posso odiá-lo por isso.
Nesse mundo de céticos, preciso de alguém que creia nessa coisa misteriosa, desacreditada, quase impossível:A Amizade.
Que teime em ser leal, simples e justo, que não vá embora se algum dia eu perder o meu ouro e não for mais a sensação da festa.
Preciso de um Amigo que receba com gratidão o meu auxílio, a minha mão estendida. Mesmo que isto seja muito pouco para suas necessidades.
Preciso de um Amigo que também seja companheiro, nas farras e pescarias, nas guerras e alegrias, e que no meio da tempestade, grite em coro comigo: "Nós ainda vamos rir muito disso tudo e ria muito.
Não pude escolher aqueles que me trouxeram ao mundo, mas posso escolher meu Amigo.
E nessa busca empenho a minha própria alma, pois com uma Amizade Verdadeira, a vida se torna mais simples, mais rica e mais bela...
Sir Charlie Chaplin
o inevitável de cada um.
...you make me feel brand new...
E a morte?
"E a Morte Perderá o seu Domínio" Dylan Thomas
E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corda em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio
O teu riso
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda
Interrogação
Interrogação
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
Camilo Pessanha
Tarde demais
Tarde de mais
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E para o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar
Chegaste, enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar
E as pedras do caminho florescer!
Beijando a areia de oiro dos desertos
Procurara-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!
E há cem anos que eu era nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
Porque chegaste tarde, ó meu Amor?!...
de Florbela Espanca
Intimidade em versos
Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
de Augusto dos Anjos
O poeta
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
de Fernando Pessoa
Adeus meu amor
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
de Eugénio de Andrade
VOCÊ???!!!!!
Você...
que tanto tempo faz
Você que eu não conheço mais
Você que um dia eu amei demais...
Você que ontem me sofucou
de amor de felicidade;
hoje me sufoca
de saudade...
Você que já não diz pra mim
as coisas que eu preciso ouvir,
Você que até hoje eu
não esqueci...
Você que eu tento me enganar,
dizendo que tudo passou;
na realidade aqui em mim
você ficou...
Você que eu não encontro mais,
os beijos que já não lhe dou;
fui tanto pra você
e hoje nada sou...
de Maria Bethania
Álvares de Azevedo
Pálida inocência
Por que, pálida inocência,
Os olhos teus em dormência
A medo lanças em mim?
No aperto de minha mão
Que sonho do coração
Tremeu-te os seios assim?
E tuas falas divinas
Em que amor lânguida afinas
Em que lânguido sonhar?
E dormindo sem receio
Por que geme no teu seio
Ansioso suspirar? Inocência!
Quem dissera
De tua azul primavera
As tuas brisas de amor!
Oh! Quem teus lábios sentira
E que trêmulo te abrira
Dos sonhos a tua flor!
Quem te dera a esperança
De tua alma de criança,
Que perfuma teu dormir!
Quem dos sonhos te acordasse,
Que num beijo t'embalasse
Desmaiada no sentir!
Quem te amasse! E um momento
Respirando o teu alento
Recendesse os lábios seus!
Quem lera, divina e bela,
Teu romance de donzela
Cheio de amor e de Deus!
noite e fogo...em mim
Fogo e noite
Aconteceu...
e por me teres feito cego
recordo o sabor da tua pele
e a calor de uma tela
que pintámos sem pensar.
Ninguém perdeu,
e enquanto o ar foi cego
despidos de passados
talvez de lados errados
conseguiste me encontrar.
Foi dança
foram corpos de aço
entre trastes de guitarras
que esqueceram amarras
e se amaram sem mostrar.
Foi fogo
que nos encontrou sozinhos
queimou a noite em volta
presos entre chama à solta
presos feitos para soltar...
Estava escrito
E o mundo só quis virar
a página que um dia se fez pesada
E o suor
que escorria no ar
no calor dos teus lábios
inocentes mas sábios...
no segredo do luar.
Não vai acabar
Vamos ser sempre paixão
Vamos ter sempre o olhar
Onde não há ninguém
Dei-te mais...! Valeu a pena voar...
Estava escrito
E a noite veio acordar
a guerra de sentidos travada num céu
Nem por um segundo largo a mão
da perfeição do teu desenho
e do teu gesto no meu...
foi como um sopro estranho...
...e aconteceu...
És noite em mim,
És fogo em mim.
És noite em mim.
de Toranja
Desejo doido de gritar
Garganta
Ana Carolina
"Minha garganta estranha
Quando não te vejo
Me vem um desejo doido de gritar
Minha garganta arranha
A tinta e os azulejos
Do teu quarto da cozinha da sala-de-estar
Minha garganta arranha
A tinta e os azulejos
Do teu quarto da cozinha da sala-de-estar
Venho madrugada perturbar teu sono
Como um cão sem dono me ponho a ladrar
Atravesso o travesseiro
E te reviro pelo avesso
Tua cabeça enlouqueço faço ela rodar
Atravesso o travesseiro
E te reviro pelo avesso
Tua cabeça enlouqueço faço ela rodar
Sei que não sou santa
às vezes vou na cara dura
Às vezes ajo com candura
Prá te conquistar
Mas não sou beata
Me criei na rua
E não mudo minha postura só prá te agradar
Mas não sou beata
Me criei na rua
E não mudo minha postura só prá te agradar
Vim parar nesta cidade por força da circunstância
Sou assim desde criança
Me criei meio sem lar
Aprendi a me virar sozinha
Se eu tô te dando linha
É prá depois te ahhh
Aprendi a me virar sozinha
E se eu tô te dando linha
É prá depois te abandonar
Aprendi a me virar sozinha
E se eu tô te dando linha
É prá depois te abandonar...
Minha garganta estranha...
Diz aí
Aprendi a me virar sozinha
E se eu tô te dando linha
É prá depois te abandonar..."
Flor de Açucena
E eu pensei.....
Eu pensei
que pudesse esquecer
certos velhos costumes
Eu pensei
que já nem me lembrasse
de coisas passadas
Eu pensei
que pudesse enganar
a mim mesmo dizendo
que essas coisas da vida em comum
não ficavam marcadas
Não pensei
que me fizessem falta
umas poucas palavras
dessas coisas simples
que dizemos antes de dormir
De manhã
o bom dia na cama
a conversa informal
o beijo depois o café
o cigarro e o jornal
Os costumes me falam de coisas
de fatos antigos
não me esqueço das tardes alegres
com nossos amigos
Um final de programa
fim de madrugada
o aconchego na cama
a luz apagda
essas coisas
só mesmo com o tempo
se pode esquecer
E então eu me vejo sozinho como estou agora
e respiro toda a liberdade
que alguém pode ter
De repente, ser livre
até me assusta
Me aceitar sem você
certas vezes me custa
Como posso esquecer dos costumes
se nem mesmo esqueci de você...?
Roberto Carlos
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